Resenha do livro: Lendo Lolita em Teerã

08/08/2017



Salam amigos! Esta é a primeira vez que faço uma resenha de livro aqui no blog. Como muitos sabem, sou uma leitora ávida e escrever é minha segunda maior paixão. Recentemente, acabei de ler “Lendo Lolita em Teerã: Uma memória nos livros” (2003), da escritora iraniana Azar Nafisi, publicado no Brasil pela editora A Girafa. Confesso que há muito tempo eu tinha vontade de ler o livro “julgando o somente pela capa”, justamente pelo seu curioso e instigante título, que nos remete imediatamente a leitura do famigerado romance de Vladimir Nabokov, na capital do Irã, em um contexto de extrema censura a obras literárias consideradas impróprias pelo regime islâmico. 

O livro trata de uma história real, uma autobiografia da escritora e professora universitária Azar Nafisi, em uma narrativa não linear nos anos que se sucederam a Revolução Islâmica(1979), a Guerra Irã-Iraque (1979-1989) e uma relativa abertura política em meados dos anos 90, culminando com sua decisão de deixar definitivamente o país com a família em 1997. 

Azar Nafisi
Na verdade, ao contrário do que seu título nos faz pensar, o livro se divide em quatro capítulos onde em cada qual são analisados romances ocidentais cuja leitura foi proibida pelo regime da República Islâmica: Lolita (1955), de Vladimir Nabokov, O Grande Gatsby (1925) de F. Scott Fitzgerald, Daisy Miller (1878) de Henry James e Orgulho e Preconceito (1813) de Jane Austen, entre outras obras dos mesmos autores. Os romances são analisados em diferentes contextos, desde uma sala de aula na universidade de Teerã a uma turma secreta formada por mulheres de diferentes perfis organizada por Nafisi em seu próprio apartamento, depois de sua demissão por razões ideológicas. 

Podemos dizer que além de ser um livro sobre os desafios de ser mulher e intelectual na República Islâmica do Irã, este é também uma série de ensaios elaborada e fascinante sobre aspectos universais da humanidade explorados na literatura ficcional em épocas tão distantes quanto o séc. XIX e primeira metade do séc. XX. Questões como o julgamento moral , direito a escolha e parâmetros da sociedade sobre família, casamento e mulheres são lidas e questionadas sobre o viés da sociedade iraniana representadas pela própria autora, seus alunos, sua família e amigos. 

Nafisi nos assegura que todas as histórias contadas no livro são reais, assim como seus personagens (cuja maioria dos nomes foram trocados por uma questão de segurança). Entre desencontros e reencontros em momentos de grande tensão política, destacam-se as sete ex-alunas Azin, Mahshid, Nassrin, Manna, Mitra, Sanaz, Yassi e um aluno, Nima, de diferentes perfis ideológicos, mas todos apaixonados por literatura que passam a integrar uma turma secreta no apartamento da professora, seu paciente marido Bijan, os filhos carinhosos, a mãe que traz o café para a turma, seu amigo “o mágico”, um homem quase invisível, que é uma espécie de conselheiro, além de outros professores, alunos e amigos que tiveram um papel importante em suas memórias. 

Nos capítulos sobre Gatsby e James, há vários flashbacks onde a autora retorna para os anos pré-revolução e sua vida nos Estados Unidos, onde as expectativas de derrubada do antigo regime eram vistas com otimismo pelos jovens intelectuais. De volta ao Irã, os momentos de grande tensão e medo durante os anos da guerra, já no contexto da revolução, enquanto as bombas explodem em vários locais de Teerã, assassinando vidas e sonhos, nas aulas de literatura inglesa na universidade alunos muçulmanos e seculares travam outra batalha acercade suas convicções morais. Até mesmo Gatsby, o livro, é colocado em um “julgamento” simbólico. 

Nos capítulos sobre Lolita e Austen, as narrativas parecem dividir-se em dois momentos bem nítidos: a vida dos personagens no “mundo real”, fora de suas casas, onde os aiatolás, a polícia moral, a obrigação de as vestimentas islâmicas, a separação entre homens e mulheres nos ambientes sociais e a demonização do ocidente, as alunas e seus históricos de abusos e repressão por parte de parentes homens, e até mesmo prisões; e o “momento da ficção” na aula secreta, que é quando estas mesmas personagens podem mergulhar nos romances, escrever o que pensam sem medo em seus diários, tirar seus véus, comparar-se às personagens dos romances, dar risadas e sobretudo falar de seus desejos mais íntimos. 

Para finalizar, Lendo Lolita em Teerã, não é um livro que te ajudará a gostar mais do Irã, na verdade é um retrato bem cinzento do país, apesar de deixar claro que hoje em dia muitas coisas mudaram e o regime está muito mais liberal na maioria dos aspectos mencionados. Vivendo atualmente nos Estados Unidos com sua família, a autora enfatiza que sair do Irã foi sua única escolha pois estava em jogo sua própria realização como pessoa, mas que essa não deveria ser necessariamente a escolha de suas alunas que a questionaram pelo fato de se sentirem “deixadas”. Apesar de toda a sensação pesarosa que o livro possa nos causar, Nafisi nos presenteia com seu olhar poético sobre a doçura dos momentos compartilhados com as pessoas queridas, a beleza do passar das estações, do pôr-do-sol, das chuvas e das montanhas de Teerã e, sobretudo, suas brilhantes análises sobre os romances que eu mesma nunca li, mas confesso que passei a me interessar. E através deste livro também redescobri o prazer de escrever minhas próprias impressões sobre o que acabei de ler. 

Leitura altamente recomendável para todos os amantes dos livros e da literatura!

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